Ainda pequena, Gina Vieira, professora dedicada e apaixonada pelo que faz, descobriu a importância da Educação no processo de formação da sua própria identidade. Foi também na infância que ela descobriu a força da empatia e do afeto na construção de um processo educativo eficaz, que valorizasse cada indivíduo e ao mesmo tempo o diálogo.
Mesmo sem ter acesso à Educação, os pais de Gina perceberam que esse era o bem mais precioso que poderiam deixar para a filha. “Meus pais nunca me deixaram faltar à escola, mesmo doente. Foi essa a forma de eles me dizerem que isso não poderia faltar na minha vida.”
Nesse sentido, sua maior riqueza foi ter tido um pai não alfabetizado. “Hoje, como professora, tenho uma profunda consciência de que meus pais estavam certos.”
A Educação é a grande riqueza e a grande mudança.
Na casa de Gina, não havia livros. Por isso, ela demorou mais para aprender a ler e, consequentemente, tinha dificuldades em acompanhar o ritmo dos colegas em aula. Como decorava tudo, conseguiu convencer a professora de que sabia ler. Mas não sabia.
O grande diferencial da sua história foi, com oito anos de idade, na 2ª série, ter tido uma professora que olhou para ela e pensou que aquela criança, que fingia saber ler, podia aprender, apesar de tudo.
A professora Creusa dos Santos Pereira Lima, que tinha fama de ser muito rígida e brava, em vez de puni-la, a colocou no colo e descobriu uma criança ávida por aprender. Foi aí, nesse momento, que Gina passou a enxergar a si mesma e mudou a maneira como olhava para o mundo. Passou a ter o seu sentido de valor próprio, de autoestima.
“Neste dia eu senti, dentro de mim, que não queria ser invisível. Eu queria ser professora.”
O ponto da virada
Em 2014, a professora Gina, percebendo que meninas muito jovens reproduziam padrões depreciativos da mulher em suas redes sociais e na própria escola, resolveu criar uma metodologia para levar referências positivas de mulheres inspiradoras aos adolescentes. Assim, nascia o Projeto Mulheres Inspiradoras.
Quando a mudança começa em você
A professora Gina acredita que o Projeto Mulheres Inspiradoras nasceu muito tempo antes, quando ela se viu obrigada a passar por um processo de amadurecimento e mudança.
“Eu entrava na sala de aula e não percebia meus alunos engajados com a aquilo que eu propunha. Eles estavam dando as costas pra escola. Aquilo me incomodava profundamente, porque, por experiência, eu sabia que o único caminho possível para a transformação da nossa história é através da Educação.”
Aquilo tudo a fez adoecer e entrar em depressão. Após dez meses afastada, fez um acordo consigo mesma: ou mudava ou teria a dignidade de abandonar a sala de aula. Ter essa profunda consciência de que o seu trabalho precisava produzir um resultado positivo na vida dos seus alunos a fez perceber que precisava mudar sua perspectiva de professora, sua concepção de educação e, antes de tudo, mudar sua prática pedagógica. Gina decidiu que precisava fortalecer sua formação para entender, entre outras coisas, por que nossas crianças e adolescentes queriam fugir da escola.
Segundo o Censo Escolar de 2015, realizado pelo Inep, mais de 1 milhão de jovens de 15 a 17 anos estavam fora da escola. Dados do IBGE apontam que, até 2014, do total de jovens de 15 a 17 anos fora da escola, cerca de 47% eram mulheres. Entre elas, 35% já eram mães nessa faixa etária. Apenas 2% das adolescentes que engravidaram deram sequência aos estudos. Já entre os meninos, 63% estavam trabalhando ou procurando emprego.
Fonte: Agência Brasil
A professora Gina sentiu que, muitas vezes, a própria escola virava as costas para os estudantes, aumentando a evasão escolar.
Mulheres Inspiradoras e uma metodologia viável
Os adolescentes precisavam ter outros referenciais. Foi aí que surgiu a ideia de apresentá-los a inspirações femininas que valorizassem a mulher.
Gina, então, começou a trabalhar com livros de diversos gêneros literários, com exemplos de mulheres fortes, de diferentes idades, classes sociais, cor de pele e níveis de escolarização. Entre as obras selecionadas estavam O diário de Anne Frank, relato da adolescente alemã de origem judia perseguida pelo regime nazista; Eu sou Malala, escrito pela jovem ativista paquistanesa que defende o direito à Educação, e Quarto de despejo: diário de uma favelada, da brasileira Carolina Maria de Jesus, que só estudou até o primário.
Após a leitura, os alunos precisavam fazer dissertações sobre alguma mulher inspiradora para eles. A professora conta que, com o término do projeto, houve uma mudança drástica na forma de pensar dos alunos. “As meninas perceberam que existem outras referências femininas e que não estão obrigadas a reproduzir o padrão imposto pela sociedade”, comemora. Os meninos também haviam mudado o pensamento sobre as mulheres: “Um aluno acreditava que as mulheres eram inferiores, mas, depois do projeto, percebeu que isso não fazia sentido”. Gina conclui que “é emocionante ver o poder transformador desse projeto, de criar cidadãos melhores e contribuir para uma cultura sem machismo e de não violência contra a mulher”.
Reconhecimento
O reconhecimento do Projeto Mulheres Inspiradoras veio em forma de expansão: está sendo replicado em 15 escolas do Distrito Federal. Com o apoio do governo e de organismos internacionais, a iniciativa atenderá 1.550 estudantes. Hoje, Gina é chamada para palestras e entrevistas em programas de TV em rede nacional, onde tem oportunidade de divulgar seu trabalho.
Professora falando para professores
Para Gina, a escola é um espaço onde se transmitem valores plurais, como ser cidadão, respeitar a diversidade, o bem-estar de todos, e onde é dada a devida importância do papel político, não necessariamente partidário.
Ao longo dos quase 30 anos no ambiente escolar, Gina percebeu que cada professor, dentro da realidade da escola brasileira, cria seus próprios mecanismos de sobrevivência. Ela conclui que isso nem sempre faz bem para a alma ou para os objetivos pedagógicos do docente. A professora acredita que nos tornamos nós mesmos a partir dos outros, por intermédio das relações sociais.
E cita: “Na ausência do outro, o homem não se constrói homem”. Lev Vygotsky, psicólogo bielo-russo.
“Por isso tudo, não acredito em nenhum processo pedagógico que não passe pelo afeto, pela empatia, pela percepção da história de cada criança.” – Gina Vieira.